Já todos passámos por isso: fazemos um treino “a sério” e durante os dois dias seguintes mal nos conseguimos mexer sem estremecer de dor.
A dor muscular de início tardio (ou DOMS, de Delayed Onset Muscle Soreness) segue-se regra geral a uma sessão de treino intensa. Muitas pessoas acreditam no mantra “mais sofrimento, mais resultados”, o que, ainda que denotando um toque de dramatismo, não é necessariamente uma má premissa.
A hipertrofia muscular (isto é, o crescimento e adaptação do músculo) ocorre através de três mecanismos primários: a carga mecânica (a quantidade de peso levantado), o stress metabólico (o acumular de produtos metabólicos em consequência do exercício) e os danos musculares.
A dor muscular é um sintoma do dano feito ao músculo, mas pode não estar sempre presente e é em geral um mau indicador de “sucesso”.
A dimensão individual
Antes ainda de mergulharmos nos aspetos fisiológicos, é importante abordarmos o elemento psicológico da DOMS.
Todos temos diferentes sensibilidades à dor, e pessoas distintas terão experiências distintas relativamente ao desconforto e à dor.1 Ainda que a DOMS seja certamente um sintoma de dano muscular, um praticante de exercício mais experiente terá uma maior tolerância à dor que alguém que está a começar (embora mesmo aqui se possam encontrar muitas exceções à regra).
Procurar a dor pode ser perigoso
Um dos mitos mais perniciosos entre praticantes de exercício é que não estão a aproveitar o treino ao máximo a não ser que este resulte em níveis exacerbados de dor.
Isto estabelece um precedente que pode ser perigoso e levar a uma sobrecarga aguda de exercício e até a uma condição grave conhecida como rabdomiólise.
A rabdomiólise ocorre quando os músculos continuam a decompor-se ou a esvaziar-se depois do exercício terminar, libertando o conteúdo das células na corrente sanguínea. Este contém uma proteína, a mioglobina, que pode lesar os rins.
O nosso conselho? Não avalies o valor do teu personal trainer ou da tua sessão de treino com base em quantas dores tens – um treino mais inteligente é normalmente uma aposta muito melhor que simplesmente um treino mais duro.
A dor muscular é em geral um mau indicador de hipertrofia
A DOMS está relacionada com os danos musculares causados por exercícios aos quais os nossos músculos não estão acostumados e parece ser especificamente um produto da inflamação e do inchaço associados ao dano muscular.
Os danos musculares induzidos pelo exercício e a DOMS estão claramente interligados, mas refletem de facto a hipertrofia muscular ou são simplesmente um sintoma das pequenas ruturas nos tecidos?
No todo, esta segunda hipótese parece refletir melhor a realidade que a primeira.
Quando olhamos para a progressão no tempo de danos musculares induzidos pelo exercício e para a adaptação do próprio músculo, a DOMS apresenta uma correlação muito vaga com os estágios reconhecidos de adaptação.2
Adicionalmente, as causas propostas para a DOMS podem não estar sequer sincronizadas. A análise de ressonâncias magnéticas mostrou que o inchaço e a DOMS podiam ocorrer em dois momentos distintos, com a dor atingindo o pico muito antes de qualquer inchaço ser detetável. 2
Também podemos ter DOMS sem ter qualquer sinal de inflamação na zona do corpo em questão. 2
Têm sido registados casos de DOMS depois de atividades físicas aeróbicas de resistência (correr a maratona, por exemplo), que não estão, em geral, associadas com adaptações hipertróficas significativas. 2 Mais uma vez, isto sugere que o nível de dor que sentes não é um indicador fiável de quanto estás a progredir.
Outro fator a considerar é o estatuto de treino. A dor tende a dissipar-se quando um grupo muscular é sujeito a iterações subsequentes do mesmo tipo de exercício. Isto é consistente com o “efeito do exercício repetido”, em que o treino regimentado e repetido reduz a extensão dos danos musculares.3
Porque procurar a DOMS pode atrasar o progresso
Saber que a DOMs não é o sinal definitivo de confirmação que estás a obter resultados é importante porque significa que não vais procurá-la ativamente e treinar em excesso só para ficar com os músculos doridos.
Sabemos que a dor muscular pode na verdade ter um impacto negativo no futuro desempenho físico (o que pode em si mesmo influenciar negativamente os ganhos musculares) e os níveis de motivação, assim como aumentar o risco de lesão.
Este ponto é importante porque reitera o facto a reter: não deves avaliar a eficácia de um treino com base nas dores que sentes.
É preferível fazer uma única sessão extremamente intensa de treino, e ficarmos sem quase nos conseguirmos mexer durante uma semana, ou ter uma semana com diversas sessões de treino, planeadas com atenção, orientadas para os nossos objetivos e seguras?
Mensagem Final
Ter músculos doridos é por vezes considerado um indicador de progresso muscular, e algumas pessoas procuram deliberadamente atingir níveis elevados de dor para sentirem que o treino valeu a pena.
Contudo, a DOMS mostra uma correlação bastante fraca com a hipertrofia muscular, tanto em termos da sua progressão no tempo como da variabilidade individual.
Buscar a DOMS a cada sessão pode na verdade estar a prejudicar o teu progresso, a reduzir a tua motivação e até possivelmente a aumentar a tua propensão a lesões.
Ainda que a DOMS seja uma consequência frequente do exercício (especialmente quando lidamos com exercícios novos, com aumentos de intensidade e com exercícios que envolvem o alongamento dos músculos), não é certamente um requerimento para a adaptação muscular.
Treina de modo mais inteligente, não mais sofrido – atividade sustentável e consistente baseada em objetivos específicos a longo e curto prazo é uma abordagem muito mais bem-sucedida, por contraste com a obsessão por sair do ginásio a gatinhar sempre que lá entramos.